A confirmação da morte por raiva humana do agricultor Sebastião Pereita Nunes, no sítio Candeia, em Frutuoso Gomes, acendeu a luz amarela para as autoridades sanitárias do Estado. Sem óbitos confirmados desde 1993, o RN conviveu durante 17 anos com a circulação silenciosa do vírus da raiva. Nos últimos cinco anos, a demanda por exames de confirmação do vírus – em animais e seres humanos – cresceu 10 vezes, passando de 30 exames em 2005 para 309 no ano passado. Dessa vez, o grande vetor é o morcego, cada vez mais obrigado a deixar seu habitat natural para conviver com seres humanos no espaço urbano.
O caso de Frutuoso Gomes não é isolado. Somente esse ano, de acordo com o Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Norte, foram realizados 11 exames em morcegos vindos de Caicó. Os números do Lacen foram repassados pelo veterinário Tenório Araújo, responsável pelos exames. Os morcegos, e outros animais, são examinados apenas após morder seres humanos. Da mesma forma, foram identificados casos em Natal e Mossoró, de acordo com o veterinário da Subcoordenadoria de Vigilância Ambiental da Sesap, Helvécio Martins. “Em Mossoró, temos a informação de que à noite é uma festa de morcegos no meio da rua, assim como em Caicó. No ano passado, dois adolescentes foram mordidos na Zona Norte de Natal. Vamos conversar com o Ibama para ver o que é possível fazer”, diz Helvécio.
Como se sabe, a raiva é transmitida por mamíferos, como cachorros, gatos, morcegos, sagüis, macacos, entre outros. Os animais domésticos são vacinados periodicamente, o que faz com que os animais silvestres tenham maior possibilidade de transmitir a doença. Com a expansão dos centros urbanos, os morcegos convivem cada vez mais no mesmo espaço que os seres humanos e esse é o traço que diferencia o Rio Grande do Norte dos outros Estados. “Hoje essa demanda cresce bastante e é o que tem chamado a atenção no Rio Grande do Norte. No Ceará, eles têm um fenômeno parecido, só que com os sagüis”, explica Helvécio Martins.
Um fator agravante é a falta de informação das pessoas atacadas por esses animais. O caso do agricultor de Frutuoso Gomes é paradigmático. Mordido por um morcego ao tentar tirar uma cela de um armador, o agricultor permaneceu 72 dias em contato com atendimento médico. Quando finalmente procurou um hospital, era tarde demais. “Todas as mortes por raiva são por negligência do próprio paciente, porque o tratamento tem um nível de eficácia bastante satisfatório”, avalia o veterinário Helvécio Martins.
Além disso, a população insiste em ter contato com animais silvestres, ou de procedência desconhecida. O veterinário da Suvam conta um caso. “Em Pipa, um rapaz encontrou um morcego no chão e teve a ideia de suspender o bicho pela asa e jogá-lo em um amigo, que dormia numa rede. Resultado: o morcego mordeu o rapaz que tentou apanhá-lo do chão e teve que receber a vacina antirrábica”, conta Helvécio. O veterinário Domício Vale, da 2ª Regional de Saúde (URSAP), em Mossoró, também alerta sobre o perigo dos morcegos. “É preciso atenção total quando o morcego está no chão. Este não é o local de costume dele. Então, se ele está no chão é porque deve está doente, e, nesta condição, é muito perigoso”, adverte Domício Vale.
Por conta disso, a Sesap pretende intensificar a campanha de esclarecimento acerca da raiva. Em termo gerais, o público será orientado a evitar o contato com animais como morcegos, raposas, sagüis, macacos e animais de rua em geral. Caso alguém seja mordido ou entre em contato com a saliva desses animais, é preciso procurar um serviço médico imediatamente. “Com o diagnóstico em mãos, iremos estudar medidas preventivas de impacto junto à comunidade, para evitar o surgimento de novos casos no Estado”, informou Helvécio Martins.
Atendimentos
O aumento da demanda no Lacen/RN não foi traduzido em mais atendimentos no Hospital Giselda Trigueiro, segundo informações do diretor médico, Carlos Mosca. A média de atendimentos no ano passado foi de 172 por mês. Esse ano a conta está um pouco abaixo, em pouco mais de 150 pessoas. O Giselda Trigueiro não recebe toda a demanda do Estado, embora seja o hospital de referência na área. Possíveis ocorrências no interior não estão contempladas nessa estatística.
Da mesma forma é preciso fazer uma ressalva. Esse número não refere a quantidade de pessoas contaminadas pelo vírus. O trâmite é o seguinte: quando alguém é mordido por animal silvestre ou de rua, recebe tratamento contra a raiva, caso procure um serviço de saúde, independente da confirmação da presença do vírus no organismo do animal. No ano passado, não houve nenhuma notificação de raiva em seres humanos no Giselda Trigueiro. “O Lacen faz exames de sorologia, que identificam se o paciente que recebeu a vacina antirrábica foi de fato imunizado. Talvez isso explique a diferença de números entre lá e aqui”, explica o diretor-médico do Giselda Trigueiro.
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