Cultivado
entre os cascalhos do chão seco e as cercas de aveloz que se perdem no
horizonte, cresceu, forte e robusto, o meu orgulho de pertencer a esse pedaço
de terra chamado Nordeste.
Sou
nordestina. Nasci e me criei no coração do Cariri paraibano, correndo de boi
brabo, brincando com boneca de pano, comendo goiaba do pé e despertando com o
primeiro canto do galo para, ainda com os olhos tapados de remela, desabar pro
curral e esperar pacientemente, o vaqueiro encher o meu copo de leite, morninho
e espumante, direto das tetas da vaca para o meu bucho.
Sou
nordestina. Falo oxente, vôte e danou-se. Vige, credo, Jesus-Maria e José!
Proseio com minha língua ligeira, que engole silabas e atropela a ortoépia das
palavras. O meu falar é o mais fiel retrato. Os amigos acham até engraçado e
dizem sempre que eu “saí do mato, mas o mato não saiu de mim”. Não saiu mesmo!
E olhe: acho que não vai sair é nunca!
Sou
nordestina. Lambo os beiços quando me deparo com uma mesa farta, atarracada de
comida. Pirão, arroz-de-festa, galinha de capoeira, feijão de arranca com toucinho,
buchada, carne de sol… E mais uma ruma de comida boa, daquela que, quando a
gente termina de engolir, o suor já está pingando pelos quatro cantos. E depois
ainda me sirvo de um bom pedaço de rapadura ou uma cumbuca de doce de mamão,
que é pra adoçar a língua. E no outro dia, de manhãzinha, me esbaldo na
coalhada, no cuscuz, na tapioca, no queijo de coalho, no bolo de mandioca, na
tigela de umbuzada, na orêa de pau com café torrado em casa!
Sou
nordestina. Choro quando escuto a voz de Luiz Gonzaga ecoar no teatro de minhas
memórias. De suas músicas guardo as mais belas recordações. As paisagens, os
bichos, os personagens, a fé e a indignação com que ele costurava as suas
cantigas e que também são minhas. Também estavam (e estão) presentes em todos
os meus momentos, pois foi em sua obra que se firmou a minha identidade
cultural.
Sou
nordestina. Me emociono quando assisto a uma procissão e observo aqueles rostos
sofridos, curtidos de sol do meu povo. Tudo é belo neste ritual. A ladainha, o
cheiro de incenso. Os pés descalços, o véu sobre a cabeça, o terço entre os
dedos. O som dos sinos repicando na torre da igreja. A grandeza de uma fé que
não se abala.
Sou
nordestina. Gosto de me lascar numa farra boa, ao som do xote ou do baião.
Sacolejo e me pergunto: pra quê mais instrumento nesse grupo além da sanfona,
do triangulo e da zabumba? No máximo, um pandeiro ou uma rabeca. Mas dançar ao
som desse trio é bom demais. E fico nesse rela-bucho até o dia amanhecer, sem
ver o tempo passar e tampouco sentir os quartos se arriando, as canelas se
tremelicando, o espinhaço se quebrando e os pés se queimando em brasa. Ô
negócio bom!
Sou
nordestina. Admiro e me emociono com a minha arte, com o improviso do poeta
popular, com a beleza da banda de pífanos, com o colorido do pastoril, com a
pegada forte do côco-de-roda, com a alegria da quadrilha junina. O artista
nordestino é um herói, e nos cordéis do tempo se registra a sua história.
Sou
nordestina. E não existe música mais bonita para meus ouvidos do que a tocada
por São Pedro, quando ele se invoca e mete a mãozona nas zabumbas lá do céu,
fazendo uma trovoada bonita que se alastra pelo Sertão, clareando o mundo e
inundando de esperança o coração do matuto. A chuva é bendita.
Sou
nordestina. Sou apaixonada pela minha terra, pela minha cultura, pelos meus
costumes, pela minha arte, pela minha gente. Só não sou apaixonada por uma
pequena parcela dessa mesma gente que se enche de poderes e promete resolver os
problemas de seu povo, mentindo, enganando, ludibriando, apostando no
analfabetismo de quem lhe pôs no poder, tirando proveito da seca e da miséria
para continuar enchendo os próprios bolsos de dinheiro.
Mas, apesar
de tudo, eu ainda sou nordestina, e tenho orgulho disso. Não me envergonho da
minha história, não disfarço o meu sotaque, não escondo as minhas origens. Eu
sou tudo o que escrevi, sou a dor e a alegria dessa terra. E tenho pena, muita
pena, dos tantos nordestinos que vejo por aí, imitando chiados e fechando
vogais, envergonhados de sua nordestinidade. Para eles, ofereço estas linhas.
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